O desencontro de Portugal<br>com o Olimpismo

A. Melo de Carvalho

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Dentro da di­nâ­mica com­plexa que o País está a viver, o des­porto por­tu­guês passa por uma das suas mais es­tra­nhas si­tu­a­ções, de que fi­zeram parte a vi­tória ex­tra­or­di­nária no Cam­pe­o­nato Eu­ropeu de Fu­tebol e as vá­rias me­da­lhas de ouro e lu­gares no po­dium também eu­ro­peus, ga­nhos por vá­rios atletas em al­gumas mo­da­li­dades des­por­tivas.

Tratou-se de um mo­mento alto, vi­vido em eu­foria e sa­bi­a­mente uti­li­zado do ponto de vista po­lí­tico para com­pensar (?) a po­pu­lação por­tu­guesa dos «muitos sa­cri­fí­cios» so­fridos desde 2011. Tudo isto num mo­mento em que o des­porto na­ci­onal sofre uma das suas mais graves crises desde 1974: di­mi­nuição drás­tica dos or­ça­mentos; ten­ta­tivas, ainda não con­tra­ri­adas, de re­dução (e eli­mi­nação) da Edu­cação Fí­sica nas es­colas; di­mi­nuição dos clubes ins­critos nas fe­de­ra­ções; di­mi­nuição do nú­mero de atletas, di­mi­nuição... etc.

No meio de tudo isto deu-se um in­fausto acon­te­ci­mento cons­ti­tuído pelo pas­sa­mento do mais im­por­tante dos ho­mens que fazia parte do pe­queno grupo da­queles que têm lu­tado – com maior ou menor êxito, mas sempre com de­nodo – pela dig­ni­fi­cação do des­porto por­tu­guês e, com ele, da dig­ni­fi­cação in­ter­na­ci­onal do País. E foi o mais im­por­tante porque, com a força do seu ca­rácter e com as qua­li­dades que lhe são co­nhe­cidas, Moniz Pe­reira con­se­guiu de­mons­trar, contra ventos e marés, ou seja, contra in­te­lec­tuais e po­lí­ticos, que os por­tu­gueses têm as mesmas ca­pa­ci­dades dos ou­tros povos.

Foi ele, com os seus atletas, que varreu de vez a ha­bi­tual la­dainha de que «os por­tu­gueses não têm vo­cação para o des­porto, nem têm qua­li­dades para serem atletas de valor mun­dial». Mas, se ele o fez, não deixou de existir um pro­blema com o Olim­pismo dentro da Nação Por­tu­guesa, pois esta questão não pode ser re­sol­vida por um homem só. É, de facto, um pro­blema na­ci­onal que co­meça por in­ter­pelar os po­lí­ticos (fora do quadro da dis­tri­buição ex­pan­siva das co­mendas bem te­le­vi­si­o­nadas e dos abraços de au­tos­sa­tis­fação da­queles que em nada con­tri­buíram para os êxitos al­can­çados), para, de­pois, nos in­ter­pelar a todos. Ora, em que é que con­siste este pro­blema?

Para lá das es­ta­tís­ticas

Em pri­meiro lugar, é pre­ciso tomar na de­vida conta que não há ne­nhum país de­sen­vol­vido (e não só) que não con­si­dere que os Jogos Olím­picos cons­ti­tuem um im­por­tante mo­mento para a sua afir­mação in­ter­na­ci­onal, não es­tando dis­postos a perdê-lo em termos do seu pró­prio pres­tígio. Por­tugal co­loca-se «olim­pi­ca­mente» fora deste quadro, con­si­de­rando a sua par­ti­ci­pação ao nível pro­vin­ciano de uma mera pre­sença pu­ra­mente oca­si­onal, sem ver­da­deiro pun­donor na­ci­onal (com ex­cepção dos atletas, dos seus trei­na­dores e di­ri­gentes, afinal os mais sa­cri­fi­cados nesta his­tória).

Numa cu­riosa clas­si­fi­cação «não ofi­cial» dos países par­ti­ci­pantes nos Jogos de Lon­dres (2012), Por­tugal ficou em 69.º lugar. Poder-se-ia con­si­derar que, aten­dendo a esta clas­si­fi­cação, es­taria tudo dito. Mas, pro­cu­rando com­pre­endê-la, ra­pi­da­mente se des­cobre que está quase tudo por dizer.

Bem sa­bemos que a es­ta­tís­tica pode ser usada de di­fe­rentes formas, al­gumas bem pouco dignas. Porém, os dados es­ta­tís­ticos estão aí, frios e ir­re­du­tí­veis, ca­pazes de nos aju­darem a com­pre­ender me­lhor, ou seja, mais lu­ci­da­mente, a re­a­li­dade. Uti­li­zemos então o nú­mero de me­da­lhas con­quis­tadas como o ín­dice tra­di­ci­onal do valor da pre­sença das equipas das di­fe­rentes na­ções que po­demos con­si­derar como nossos con­cor­rentes po­ten­ciais (países mais sig­ni­fi­ca­tivos com o má­ximo de 11 mi­lhões de ha­bi­tantes – dados re­fe­ridos até aos Jogos Olím­picos de 2008, in­clu­sive): Suécia – 488 me­da­lhas, 9 mi­lhões de ha­bi­tantes; Suíça – 179 me­da­lhas, 7,8 mi­lhões de ha­bi­tantes; Di­na­marca – 171 me­da­lhas, 5,5 mi­lhões de ha­bi­tantes; Grécia – 141 me­da­lhas, 11 mi­lhões de ha­bi­tantes; Bél­gica – 136 me­da­lhas, 11 mi­lhões de ha­bi­tantes; Ir­landa – 24 me­da­lhas, 4,6 mi­lhões de ha­bi­tantes; Por­tugal – 22 me­da­lhas, 10 mi­lhões de ha­bi­tantes.

Estes dados não in­te­gram a me­dalha ganha nos J. O. de Lon­dres, que, de facto, só piora a questão, como também só dizem res­peito a um pe­queno lote de países de­vido às li­mi­ta­ções de es­paço. Con­tudo, deve-se tomar em con­si­de­ração uma outra si­tu­ação, que se re­fere à po­sição de Por­tugal (a tal 69.ª) em re­lação a uma série de países que fi­caram à sua frente nos Jogos de Lon­dres, de que des­ta­camos: Nova Ze­lândia, Azer­baijão, Tu­nísia, Re­pú­blica Do­mi­ni­cana, Bahamas, Porto Rico, Botswana, Ja­maica, Tri­nidad e To­bago, Croácia, Gabão, Bul­gária, Chipre, Suíça, No­ruega, Ir­landa, Le­tónia, todos eles com uma po­pu­lação abaixo dos nove mi­lhões de ha­bi­tantes.

Não temos qual­quer dú­vida em afirmar que esta re­a­li­dade, aqui apre­sen­tada de uma forma de­ma­siado es­que­má­tica, porém sig­ni­fi­ca­tiva, re­pre­senta, de facto, a si­tu­ação do des­porto por­tu­guês.

Este texto é es­crito poucos dias antes da aber­tura dos J. O. do Rio de Ja­neiro. Tal como o outro dizia, «só fa­zemos pre­vi­sões de­pois do jogo acabar». Mas há uma re­a­li­dade ine­vi­tável: é que du­rante os quatro anos da Olim­píada nada de novo se passou e, pelo con­trário, as di­fi­cul­dades de pre­pa­ração dos atletas só au­men­taram. O que es­perar então?

No fundo a questão é esta: o que é que se passa com o des­porto em Por­tugal para que o País ocupe uma po­sição tão me­díocre no quadro do Mo­vi­mento Olím­pico In­ter­na­ci­onal?

Pensar nesta questão e em tudo o que dela de­corre e lutar para que se al­tere a si­tu­ação cons­ti­tuem a me­lhor ho­me­nagem que po­demos prestar ao sau­doso Pro­fessor Mário Moniz Pe­reira. Como ele dizia, «para ter sorte é pre­ciso cons­truí-la» e sa­bendo que os nossos atletas e trei­na­dores fi­zeram o que es­tava ao seu al­cance, de­se­jamos-lhes a me­lhor sorte!




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